Nao te deixes destruir Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeca. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viveras no coracao dos jovens e na memoria das geracoes que hao de vir. Esta fonte e para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas paginas e nao entraves seu uso aos que tem sede.
Foi uma vez: eu refletia, à meia-noite erma e sombria, A ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimos manuais, E, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído, Tal qual se houvesse alguém batido à minha porta, devagar. “É alguém, fiquei a murmurar, que bate à porta, devagar; Sim, é só isso e nada mais.” Ah! claramente eu o relembro! Era no gélido dezembro E o fogo, agônico, animava o chão de sombras fantasmais. Ansiando ver a noite finda, em vão, a ler, buscava ainda Algum remédio à amarga, infinda, atroz saudade de Lenora Essa, mais bela do que a aurora, a quem nos céus chamam Lenora E nome aqui já não tem mais. A seda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina, Arrepiando-me e evocando ignotos medos sepulcrais. De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia E a sossegá-lo eu repetia: “É um visitante e pede abrigo. Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo. É apenas isso e nada mais.” Ergui-me após e, calmo enfim, sem hesitar, falei assim: “Perdoai, senhora, ou meu senhor, se há muito aí fora me esperais; Mas é que estava adormecido e foi tão débil o batido, Que eu mal podia ter ouvido alguém chamar à minha porta, Assim de leve, em hora morta.” Escancarei então a porta: Escuridão, e nada mais.